Este recorte da Coleção Brasília — do histórico acervo de Izolete e Domício Pereira (in memoriam) - é aqui constituída por um núcleo de artes visuais.

Resgata, para o grande público e as novas gerações, a fundamental contribuição desse casal de pioneiros para a preservação da memória com foco no imaginário artístico, parte integrante da saga da nova capital brasileira.

O acervo cobre o período do século XVI até a contemporaneidade. Destaca-se um núcleo formado por uma constelação de personalidades artísticas cujas obras se vinculam ao ideário artístico, arquitetônico e paisagístico da capital. Destaca-se Lucio Costa, autor da marca da coleção: uma sintetize de seu Plano Piloto de Brasília. Com inspiração na utopia propulsora do projeto modernista brasileiro, o conjunto foi considerado, por ocasião da sua itinerância por capitais europeias, um dos mais significativos de seu segmento jamais apresentado naquele continente neste século.

Esta seleção — composta por documentos, livros, flâmulas, moedas, objetos, design, fotografias, gravuras, desenhos, pinturas e esculturas — abrange mais de cinco décadas da cultura brasileira. É fruto de uma teia de relações afetivas, de trabalho, de família e de amizades que testemunham momentos relevantes da história brasileira a partir da década de 1950.

Estetas visionários, ao empreenderem a construção deste acervo, Izolete e Domício deixaram sua marca ao contribuir para a preservação de relevante parcela da nossa história.

Ciente da importância simbólica desse patrimônio cultural e do interesse que desperta em museus e instituições culturais no Brasil e no exterior, a família gostaria que, no futuro, ele integrasse definitivamente o acervo público da capital do Brasil.

Alberto Guignard
Um sincero modernista de 1944 jamais terá a ousadia de produzir monstruosidades à guisa da arte, ou será um falso modernista.

Pintor, professor, desenhista, ilustrador e gravador, Guignard foi um dos expoentes da pintura modernista brasileira. Dedicou-se a vários gêneros da pintura, tais como retrato, paisagem, natureza-morta e temática religiosa, tratando, muitas vezes, de dois ou mais gêneros na mesma peça. Suas obras gozam, quase sempre, de um caráter fantástico e são envolvidas no ambiente lúdico de suas composições.

Em 1944, a convite de JK, o artista seguiu do Rio de Janeiro para Belo Horizonte, onde criou a Escola Guignard. Responsável por potencializar o movimento moderno no campo das artes visuais, suas influências e desdobramentos ecoam até a atualidade. O significado de sua presença no cenário das artes nacionais traduz-se no fundamental e definitivo legado que une o percurso e a visão de JK ao fortalecimento da cultura e das artes nacionais. Assim, aos poucos, ia se estabelecendo um cenário propício às novas perspectivas que incorporariam um espírito moderno à estruturação da nação brasileira, cujo maior e definitivo triunfo se efetiva com a construção de Brasília.

Guignard é aqui representado pela obra Vista de Ouro Preto, executada entre os anos 40 e 50, em que retrata, de forma lúdica e poética, a paisagem da histórica cidade mineira. Em uma paleta refinada em que predominam variadas gamas de verdes, surge um sinuoso grupo de montanhas que, ao se projetarem no horizonte, parecem alcançar os céus.

Alfredo Ceschiatti
Meu pai, um imigrante italiano chegado no começo do século ao Brasil, era padeiro. Vivia com as mãos na massa. E eu, afinal, repito a mesma coisa. Só que troquei o trigo pela argila e, em vez de pães, faço estátuas.

Escultor, desenhista e professor, Alfredo Ceschiatti marcou fortemente a paisagem visual de Brasília, tanto por sua estatuária cívica quanto por sua escultura religiosa.

São dele as esculturas do adro e do interior da Catedral Episcopal: os Evangelistas e os anjos barrocos pendendo do teto, respectivamente, ambas citações de Aleijadinho. Dele também é a estátua da Justiça em frente ao palácio do mesmo nome, assim como inúmeras outras esculturas "pedagógicas" presentes nos espaços públicos de Brasília, de linhagem modernista. Algumas são figuras alongadas, com desenho e planejamento bem definidos, como a Minerva; outras, volumes mais densos, blocos pouco definidos, como a estátua da Justiça. No entanto, são todas hieráticas, estilizadas e estáticas, privilegiando diferentes convenções de proporções.

Bruno Giorgi

Eu fiz os guerreiros que foram fundidos aqui no Rio de Janeiro [...] Então depois eu ampliei aqui, fiz com 9 metros de altura [...] o meu sonho era fazer uma homenagem ao candango.

Herdeiro das lições do escultor Aristide Maillol (1861-1944), Bruno Giorgi revela em seus trabalhos, a partir dos anos 1940, um crescente interesse pela temática e pelos tipos brasileiros. Sua obra gradualmente passa de uma leve estilização da figura humana a uma maior deformação. Não tinha a menor organização, tampouco se preocupava em guardar ou rever obras. Quando não gostava de uma peça, simplesmente a desmanchava.

A convite do arquiteto Oscar Niemeyer, o artista desenvolveu três obras na capital entre as décadas de 50 e 60. Os Guerreiros foi a primeira escultura criada por ele: elaborada em 1959, ficou conhecida como Os Candangos. Executada em bronze, está localizada na Praça dos Três Poderes. A segunda, Meteoro, de 1967, foi elaborada em mármore Carrara e demorou cerca de 14 meses para ser finalizada. Encontra-se no espelho d'água em frente ao Palácio Itamaraty. Por fim, Monumento à Cultura, de 1965, também executada em bronze, está localizada na Praça Edson Luís, na UnB.

Guilherme de Almeida

Numa sala fechada, entre quatro paredes, nunca tentei, sequer, escrever um verso. Preciso, para compor um soneto ou fazer uma crônica, de três "sss", que são as três serpentes do meu paraíso interior: sombra, silêncio e solidão.

Guilherme de Almeida, poeta brasileiro, foi o primeiro modernista a frequentar a Academia Brasileira de Letras. Advogado, jornalista e tradutor, fez várias conferências para divulgar os ideais modernistas pelo Brasil. Autor dos brasões de armas de várias cidades, compôs um hino em homenagem a Brasília por ocasião da inauguração.

Em uma possível alusão à saga da criação da nova capital, Almeida registrou, no lenço oferecido às autoridades presentes às cerimônias de inauguração, as exatas palavras pronunciadas pelo imperador Júlio César em ode à vitória sobre Fárnaces do Ponto, na Batalha de Zela. O raríssimo exemplar incluído na mostra foi oferecido e autografado pelo ilustre poeta, pensador e heraldista, autor do hino e do brasão de Brasília, em que se lê Venturis Ventis (Ventos Vindouros).

Maria Martins

Pouco importa essa ou aquela forma de expressão desde que o artista transmita a mensagem que é sua e em seu idioma próprio, e não use essa espécie de 'modismo', muitas vezes responsável pela grande pobreza de artistas de real valor.

Escultora, pintora, pianista, escritora e designer de joias, Maria Martins teve sua vida e obra permeadas de polêmicas e opiniões conflitantes envolvendo críticos e estudantes de arte. Entretanto, a importância e relevância da artista para a arte brasileira vão além de sua produção artística. De forte personalidade e grande carisma, atuou ativamente na criação e consolidação dos Museus de Arte Moderna de São Paulo e do Rio de Janeiro, bem como da Bienal de São Paulo.

A escultura O Rito do Ritmo — cujo estudo preliminar integra o acervo da Coleção Brasília — encontra-se nos jardins internos do Palácio da Alvorada. A obra é descrita pelo jornalista Sérgio Maggio como a fusão de braços e pernas de duas figuras antropomorfas: "Se olharmos fixamente para a escultura, a sensação é de expandir-se do inanimado bloco de bronze para o expansivo ambiente de verde e concreto que a circunda."

Escultor e professor, inicia sua formação estudando escultura no Instituto João Alfredo, no Rio de Janeiro, entre 1921 e 1924. Sua escultura é de estilo figurativo, neoclássica e voltada para a questão social. Com uma delas, Os Retirantes, ganhou um prêmio no Salão Nacional de Belas Artes: uma viagem à Europa paga pelo governo brasileiro em 1935.

No entanto, foi com a obra que retrata o ex-presidente Juscelino Kubitschek sobre a foice de Niemeyer — instalada nos jardins do Memorial JK de Brasília — que o escultor atingiu seu maior reconhecimento.

O raro estudo para esse monumento é a obra que pode ser apreciada neste projeto. Nela, com excepcional mestria, o artista registra, em bronze, a figura de JK.

Maria Werneck de Castro

Maria Werneck de Castro nasceu na cidade de Vassouras no Rio de Janeiro. No entanto, dos 10 aos 20 anos de idade, residiu em Blumenau, onde teve a oportunidade de aprender a técnica do crayon contè com a professora Alice Werner. Além de importante ilustradora científica, Maria Werneck de Castro desenvolveu um papel ativo na preservação do meio ambiente e, principalmente, da flora e fauna brasileiras. Suas ilustrações ficaram conhecidas pela riqueza de detalhes e pela qualidade técnica e artística com a qual eram concebidas.

O reconhecimento de seu trabalho se deve, principalmente, ao rigor com que reproduzia os detalhes da espécie retratada e à qualidade técnica e artística desses desenhos. Sua capacidade criativa resulta em trabalhos perfeitos, tanto do ponto de vista artístico quanto científico.

Pelo conjunto de sua obra, é aclamada como a mais importante ilustradora botânica brasileira. É pioneira do registro botânico de espécies do Centro-Oeste, com uma rara série de ilustrações da flora nativa realizadas até meados dos anos 70, da qual a presente obra faz parte.

Milton Ribeiro

Quando eu cheguei a Brasília, eu me encantei com a atmosfera local e com a luz intensa do planalto. Isso automaticamente se incorporou na minha pintura. A luz de Brasília foi interferindo no Pequeno Arquiteto, me possibilitando criar uma cidade lúdica e imaginada pelas crianças e pelas pessoas que ali moravam...

Milton Ribeiro foi pintor, gravador, artista gráfico e professor. Em 2012, recebeu o título de Professor Emérito da Universidade de Brasília pelo conjunto da sua obra. Um acervo de 250 obras que cobrem toda a sua trajetória como pintor — denominada Coleção Beatriz Ribeiro — foi doada à Universidade de Brasília.

Entre 1967 e 1992, o artista produziu simultaneamente duas representações distintas da cidade de Brasília: uma série de pinturas construtivistas, intitulada O Pequeno Arquiteto, inspirada em um brinquedo de armar que leva o mesmo nome, e com a qual Milton Ribeiro exercita a subjetividade e o rigor do desenho geométrico em um universo onírico; e uma outra série de obras expressionistas, que retratam os primeiros anos da história da ocupação da capital federal, a arquitetura dos barracos de madeira, o cotidiano das pessoas que viviam nas cidades-satélites e o crescimento desordenado do Plano Piloto e de algumas superquadras residenciais.